Autor: Carlos Abelheira – Tradutor e intérprete de português, inglês e espanhol

De há muito, a interpretação de conferências traz a reboque um desafio de todo peculiar: controlar o incontrolável. Por mais meticuloso o cunhar do glossário, por mais profundos os estudos, por mais preparado o profissional, de imprevisível antecipação chega a fala do orador aos nossos ouvidos. Na ininterrupta busca por contexto, ainda que nele imersos, qualquer verbete que nos soe destoante já provoca súbita descarga de adrenalina. O intérprete que nunca vivenciou isso pode atirar a primeira paráfrase.

E, para exponenciar a questão, cada modalidade de interpretação carrega lá suas peculiaridades: a interpretação simultânea e a interpretação consecutiva, subdivididas em presencial e remota.

Alguns desafios, entre outros, batem ponto em qualquer evento: o sotaque e velocidade de fala do palestrante, seu humor; além dos inesperados jargões, piadas e improvisos. Para acostumar-se com o sotaque, o intérprete deve fazer shadowing com vídeos e áudios tanto do palestrante como do tema do evento em questão. Como se não bastasse, tal exercício afina a precisão auditiva, o sotaque do intérprete quando o evento se dá para o idioma B (aquele do e para o qual o intérprete interpreta, mas não é o seu idioma nativo), e diminui a contaminação do idioma A (seu idioma nativo).

Na interpretação de conferências clássicas, com 97% na modalidade simultânea, os intérpretes recebem, com transmissão direta aos seus fones de ouvido o áudio do orador, oriundo de um microfone cardioide (que capta o áudio de modo unidirecional). Sempre objetivando o nível zero de estresse, o áudio passa por uma mesa equalizadora, a fim de eliminar possíveis ruídos, chegando limpo aos nossos ouvidos. Aqui, uma falha na cadeia porá em risco a produção do linguista. Ou você nunca fez um evento presencial em que tudo funcionou durante os testes, mas o microfone do orador ou do intérprete não funcionava quando a palestra começou? Se você sorriu ao recordar-se da situação, peço que se una ao coro!

Aliás, cabe ao intérprete passivo, aquele que não se ocupa de interpretar, prestar apoio ao intérprete ativo monitorando a sua fala, ajudando caso o palestrante use uma palavra inesperada, observando a qualidade do áudio e mantendo silêncio dentro da cabine. Em que pese a constatação do óbvio, uma boa conversa entre os linguistas antes do evento, combinando também quem começa, o intervalo e a forma de revezamento evita possíveis atritos futuros.

Passando daqui para os eventos virtuais, popularizados pela sigla RSI (Remote Simultaneous Interpreting, interpretação simultânea remota, em inglês), modalidade consolidada em 2020, outra camada de desafio se somou: a tecnologia. Os intérpretes se viram obrigados a investir em uma internet estável – e, se possível, redundante –, mais de um computador, nobreak, e em um headset ou microfone mais headphone de qualidade, de modo a garantir que não houvesse interrupções durante o evento e que o cliente recebesse áudio da melhor qualidade possível, na constante busca do nível zero de estresse.

O bagageiro do novo paradigma tinha malas pesadas, com segredos que aprendemos a decifrar com o avião em pleno voo. Para além do já mencionado, a redução de ruído representava enorme desafio no primeiro trimestre pandêmico. A chegada do conceito do cancelamento ativo de ruído, seja por softwares terceiros ou headsets que ofereciam o recurso, nos permitiu comemorar a calmaria proporcionada. Sim, os palestrantes precisam aprender a não usar fone Bluetooth nem o microfone do laptop, a não falar em ambiente aberto ou salas enormes com muito eco. As associações internacionais e os nossos e-mails e reuniões com o cliente já esclareceram o aparato necessário para que continuemos a ouvir os oradores com clareza. Nosso desafio não se traduz apenas em sensibilizar o cliente, mas em convencê-los das condições necessárias para a quebra da barreira linguística.

Vale a pena mencionar que a adrenalina, o ligeiro aumento de temperatura, o coração acelerado ou a mão suada que acomete o início da fala do palestrante transparece nos ouvidos do intérprete, refletindo-se quando em vez na nossa própria produção. Viciante, para não dizer o menos.

Para auxiliar no convencimento dos clientes, compartilhamos três formas de onda com a leitura do mesmo texto.

Figura 1. Forma de onda refletindo gravação com o microfone embutido do computador.

Na figura acima, o texto foi gravado com o microfone do computador, sem filtro de ruído, que se mistura com a fala do orador e pode deixá-la ininteligível.


Figura 2. Forma de onda refletindo gravação com microfone cardioide.

Já com um microfone cardioide (unidirecional), as formas de onda refletem a clareza da fala. Os microfones do fone de celular com fio, headsets USB e microfones geram a onda acima.


Figura 3. Forma de onda refletindo gravação com microfone da câmera externa.

No caso da figura acima, com microfone da câmera, boa parte do discurso sequer é detectada, impactando sobremaneira a interpretação.

Por mais incrível que pareça, a pandemia gerou aumento na demanda por interpretação consecutiva, já que nem todos os clientes queriam pagar plataformas virtuais e a OPI (Over-the-Phone Interpreting, interpretação por telefone – ainda que feita por computador) também se consolidou.

E, em se falando nela, por muitos intérpretes temida, a consecutiva exige técnicas apuradas de anotação, retenção de memória, resumo e produção que, ao lado da simultânea, tardam centenas de horas para maturação. Cabe ao linguista ter prontidão e preparação que o permita enfrentar qualquer situação em eventos. E se a energia cai? E se for uma viagem? (Lembrando que nem sempre o cliente tem orçamento para equipamento portátil.) E se um dos palestrantes convida um intérprete para cima do palco? E se você tiver uma interpretação hospitalar, sem poder levar equipamento portátil?

Você se julga um linguista apto a anteder os clientes de forma plena? O que precisa melhorar? Você se avalia e grava? Busca feedback? Com que frequência você faz novos cursos, atualizações ou práticas?

Intérprete, não se furte de evoluir todo dia!

E… Conte-nos, qual desafio demandou uma solução rápida e que deu muito certo na sua carreira?

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