Photo by Kirsty Lee on Unsplash
A edição 2018 da prova do Enem, Exame Nacional do Ensino Médio, tinha uma questão que tratava do Pajubá, o dialeto adotado pela comunidade LGBT no Brasil. Para responder a pergunta, os 5,5 milhões de pessoas que fizeram a prova não precisavam conhecer detalhes dessa linguagem. Mesmo assim, o assunto ganhou repercussão nacional.
A questão abria com a seguinte frase: “Nhaí, amapô! Não faça a loka e pague meu acué, deixe de equê se não eu puxo teu picumã”! Não sabe o significado? Vamos lá. “Oi, mulher! Não se faça de desentendida e pague meu dinheiro, deixe de me enrolar se não eu puxo seu cabelo”.
Depois de um texto introdutório retirado de um site que tratava do tema, veio a pergunta: “Da perspectiva do usuário, o pajubá ganha status de dialeto, caracterizando-se como elemento de patrimônio linguístico, especialmente por”
A – ter mais de mil palavras conhecidas
B – ter palavras diferentes de uma linguagem secreta
C – ser consolidado por objetos formais de registro
D – ser utilizado por advogados em situações formais
E – ser comum em conversas no ambiente de trabalho
Pajubá vira notícia nacional
Em uma entrevista a José Luiz Datena, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) deixou claro que não gostou muito do fato de a prova dar voz a lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros. Mesmo que por um viés cultural. Por outro lado, Toni Reis, diretor presidente da Aliança Nacional LGBTI, defendeu a inserção do assunto na prova, já que o pajubá é parte da cultura brasileira.
O pajubá é uma mistura da língua portuguesa informal com elementos provenientes da cultura africana. A sua essência remete ao nagô e ao iorubá, que são grupos étnico-linguísticos africanos, e chegaram às terras brasileiras a partir dos escravos.
Um ponto interessante do pajubá está no fato de que o dialeto LGBT cria uma dinâmica diferente das adotadas pelas línguas ditas tradicionais, que faz distinção de gênero entre palavras masculinas e femininas. O pajubá quebra um pouco desse padrão e traz terminações femininas para palavras antes masculinas no português tradicional. Por exemplo, em vez de “o dicionário”, fala-se “a dicionária”.
Registros formais do dialeto
Em 1995, o Pajubá teve seu primeiro registro formal a partir do livro “Diálogos de Bonecas”, de Jovana Baby, no qual constam cerca de 800 palavras listadas. Já no início dos anos 2000, saiu a publicação “Aurélia, a dicionária da língua afiada”, obra assinada pelo jornalista Angelo Vip e por Fred Lip, que está esgotada – pode ser encontrada em sebos virtuais.
São mais de 1.200 verbetes que mostram o significado das palavras do pajubá, que surgiu, muito provavelmente, no contexto da ditadura militar, em meados dos anos 1960 e 1970. A publicação também revela um pouco dessa história da língua outrora secreta dos travestis e que pegou em outras culturas. Vale mencionar também que há o livro “Linguagens pajubeyras: re(ex)sistência cultural e subversão da heternormatividade” de autoria de Carlos Henrique Lucas Lima.
Aliás, voltando à questão do Enem, é essa consolidação por registros formais que faz com que a letra C seja a resposta correta da pergunta.
Exemplos de pajubá
Veja abaixo algumas palavras utilizadas na comunicação da comunidade LGBT:
Elza – roubo
Bafão – novidade, fofoca, notícia
Picumã – peruca, cabelo
Caricata – engraçada, cafona
Bofe – homem
Modelão – roupa, look
Alibã – polícia
Amapoa – mulher
Otim – bebida
Ajeum – comida
Gongar – falar mal
Bajé – sangue
Boneca – travesti
É tudo – interessante
Xoxar – ridicularizar
Carão – pose, deboche
Coió – surra
Xuxu – barba malfeita
Equê – mentira, truque
Mati – pequeno
Tombar – arrasar
Xanã – cigarro