O filme canadense Edge of the Knife ou SGaawaay Ḵ’uuna se desenvolve ao redor de temas universais, como família, amor, perda e traição. Seria mais uma obra de arte nas telas não fosse uma peculiaridade: sua língua base.
O idioma haida que é falado no filme é uma língua seriamente ameaçada. São apenas 20 falantes fluentes, segundo o First People’s Culture Council, órgão canadense que trata de questões envolvendo indígenas.
Haida, ou Xaat Kíl / X̱aayda Kil, é falada sobretudo nas ilhas de Haida Gwaii, um arquipélago a 100 km da costa oeste canadense. Acredita-se que tem cerca de 11.000 anos. São três dialetos diferentes de haida: Skidegate e Massett, falados no Canadá, e Hydaburg, no Estado do Alasca. Trata-se de uma língua isolada, ou seja, não está conectada a nenhum outro idioma.
Edge of the Knife foi dirigido por Helen Haig-Brown e Gwaai Edenshaw, este próprio um haida. Erica Jean Ryan trabalhou como atriz no filme, mas também foi uma espécie de mentora do idioma no set de gravação. Mesmo sendo haida, Erica, que tem o inglês como primeira língua, iniciou o aprendizado de haida há oito anos. Segundo ela, não encontrou nenhum problema com a pronúncia. Era como se tivesse o idioma dentro de si.
Anciãos traduzem do inglês para o haida
Os 22 atores que fizeram parte do filme e que não falavam haida foram auxiliados por anciãos, que se dispuseram a dar lições do idioma em alguns mutirões. O roteiro foi escrito em inglês e depois traduzido pelos anciãos haidas. Isso porque, assim como outras línguas, o haida é transmitido de forma oral às gerações seguintes. Não há documentos escritos que facilitam não só a preservação, mas também a expansão.
Agora, o roteiro pode ser uma ferramenta interessante para auxiliar novos interessados na língua. O que vai ao encontro de uma das propostas do filme. Além de ser uma narrativa visual, o diretor Gwaai admite que uma das intenções de Edge of the Knife era se tornar também uma ferramenta pedagógica. Diane Brown, uma das falantes de haida e que atuou no filme, revela que o sonho é ajudar os filhos a aprender a língua, bem como muni-los de condições para eles ensiná-los posteriormente.
Não faz muito tempo que o idioma haida está sendo ensinado nas escolas. Nesse contexto, a obra cinematográfica cumpre seu papel no processo educacional dos mais jovens.
História de superação
Para entender o quadro atual do haida é preciso revisitar o passado. O arquipélago de Haida Gwaii acabou colonizado pelos britânicos ainda no ano de 1853. O nome, inclusive, era Colônia das Ilhas da Rainha Charlotte. Acredita-se que na época espalharam propositadamente doenças que fizeram a população local despencar.
Já no século 20, porém, a comunidade haida voltou a crescer, embora ainda em números conservadores (3,5 mil pessoas) quando comparada com o período da invasão (10 mil). No entanto, a cultura haida acabou sendo sufocada. As crianças indígenas passaram a trabalhar mais do que estudar. E falar haida se tornou proibido dentro da própria comunidade. Os professores diziam que os alunos iriam para o inferno se falassem a língua.
Para Erica Jean Ryan, o filme é um alento e dá esperança a outras línguas e outras comunidades indígenas que sofrem do mesmo mal. E considera que reviver essa história com a língua tem sido, de algum modo, um processo terapêutico, uma vez que a língua a fez perceber o que significa ser haida.
Veja abaixo o trailer do filme:
Fonte: BBC Brasil