Uma obra inovadora e pioneira traz à tona a língua indígena de sinais utilizada pelos surdos da etnia terena no formato de história em quadrinhos (HQ). Produzida por Ivan de Souza, a HQ “Sol: a pajé surda” é resultado do trabalho de conclusão do curso de licenciatura em Letras Libras, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
De acordo com a universidade paranaense, o propósito do trabalho é fortalecer o reconhecimento e a preservação das línguas de sinais indígenas. Até porque, diz a UFPR, a comunicação a partir da língua materna é importante, uma vez que ajuda a manter viva a cultura, a identidade e a história dos povos indígenas.
Participação dos indígenas na validação
Importante ressaltar que todo o processo de construção da HQ teve acompanhamento de pesquisadoras já envolvidas com os terena surdos, usuários da língua terena de sinais. Essa comunidade está localizada sobretudo no estado de Mato Grosso do Sul. Os próprios indígenas participaram de forma ativa tanto no desenvolvimento quanto na validação da obra final.
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Língua Brasileira de Sinais e seus regionalismos
Nas aldeias da etnia terena, a língua oral é bastante utilizada. Os surdos locais se comunicam com sinais diferentes dos que integram a Libras, Língua Brasileira de Sinais. Especialistas concluíram após diversas pesquisas que esses sinais constituem um sistema autônomo, chamado língua terena de sinais.
Na visão de Maíza Antonio, indígena e professora de educação infantil, seguir com as pesquisas sobre o tema é fundamental para que os integrantes das aldeias entendam melhor os sinais utilizados por parte de seu povo.
“Nossos alunos têm optado por estudar na cidade, por não estarmos preparados para recebê-los em nossa escola. Essa história em quadrinhos servirá como material didático para trabalharmos com os alunos surdos e como incentivo para que nós, professores, busquemos novas ferramentas de ensino nessa área”, disse, Maíza Antonio, indígena da etnia terena, que trabalha com a língua materna na escola da comunidade.
Registro em Libras e glossário plurilíngue
Souza e todas as pessoas que o auxiliaram no projeto também desenvolveram um “sinalário”, ou seja, um registro em sinais dos principais conceitos apresentados na narrativa visual, além de um glossário plurilíngue contendo palavras utilizadas de forma recorrente no dia a dia da comunidade indígena.
“Levantamos os vocabulários que mais se repetiam e organizamos em uma planilha. Depois buscamos localizar os sinais já existentes em sites e aplicativos. Filmamos os sinais e disponibilizaremos esse material no YouTube, com o objetivo de expandir o conhecimento sobre as línguas sinalizadas e de minimizar a barreira linguística”, explica o autor da HQ.
Ainda de acordo com ele, o trabalho inédito tem significativa relevância para os indígenas da comunidade terena, bem como de outras etnias e, também, para a sociedade em geral.
“Esse é mais um material disponível para os terena ensinarem sua história de forma acessível a ouvintes e surdos. É importante também para mostrar à sociedade como existem povos, culturas, identidades e línguas diferentes no país. E que essa diversidade precisa ser respeitada, preservada e valorizada”, acrescenta.
Por fim, Ivan de Souza espera que o trabalho consiga despertar a sensibilidade para com os povos indígenas e para as demais línguas de sinais existentes no Brasil. Ademais, o autor crê no reconhecimento dessas línguas autônomas de sinais, tornando-se possível que surdos indígenas tenham o direito de serem ensinados em sua língua materna. Ele pretende distribuir a HQ em escolas indígenas.
“Só podemos preservar aquilo que é registrado e esse é um dos nossos objetivos, preservar uma pequena parte da história do povo terena por meio da HQ”, afirma Souza.
A história em quadrinhos
A obra Sol: a pajé surda ou Séno Mókere Káxe Koixómuneti, em língua terena, narra a história de Káxe, uma anciã indígena surda que exerce a função religiosa de pajé em sua comunidade. Ao ser procurada para auxiliar em um parto, e após pedir a benção dos ancestrais para o recém-nascido, o futuro do povo terena é revelado e transmitido a ela em sinais. “A história mostra um pouco da rica cultura desse povo, as situações, consequências e resistência após o contato com o povo branco”, revela Souza.